domingo, 16 de novembro de 2008

Há dissonância entre os cursos de pedagogia e as propostas curriculares para as séries iniciais da Educação Básica, afirma Sonia Penin

A diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Sonia Teresinha de Sousa Penin, explica as dificuldades enfrentadas pelos cursos de formação de professores - pedagogia e licenciatura. Em entrevista ao Todos Pela Educação, a professora comenta os resultados da pesquisa da Fundação Carlos Chagas, que aponta falhas na formação inicial dos docentes. Segundo ela, as diretrizes curriculares nacionais erraram ao juntar a formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental e educação infantil e a de pedagogos (e suas habilitações) em um único curso. A professora diz que atualmente a formação de professores no País é uma questão complexa e defende maior integração entre as instituições formadoras, as secretarias de Educação e os órgãos responsáveis pela legislação.

Além de reconhecer a dificuldade há muito existente da distância da formação inicial com a realidade da sala de aula e da escola, a diretora explica as discussões a respeito desta questão e as mudanças já definidas nos cursos de licenciaturas da USP, que devem ser implantadas em 2009. O projeto prevê alterações no programa de estágio e inclusão de disciplinas voltadas à educação ao longo de todo o curso, e não apenas ao final como ocorre até agora.

Sonia Penin é também membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES. Possui graduação em Pedagogia e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, já foi pró-Reitora de Graduação da USP.

Leia abaixo a entrevista:

Todos Pela Educação: Qual a sua avaliação sobre as mudanças na formação inicial dos professores no País?
Sonia Penin : Antes, os cursos da pedagogia trabalhavam na direção de um aprofundamento teórico das questões da educação em diferentes espaços, do ensino nas instituições escolares e formava para a docência no curso Normal, que por sua vez formava professores para as séries iniciais da educação básica e a pré-escola. Com relação a esta formação de professores para crianças, o curso de pedagogia funcionava quase como uma especialização porque grande parte dos estudantes ingressava no curso já diplomado no curso normal, ou seja, já dominava o ofício de professor para esse nível de ensino.

Hoje, as faculdades de Educação estão lutando para articular e adequar essa dupla formação dado que o tempo até então proposto para o curso não é suficiente para ensinar em profundidade o ofício de professor e formar um pedagogo competente para as tarefas educacionais que a atualidade exige, incluindo as habilitações. As novas diretrizes nacionais para o curso de pedagogia simplesmente juntaram os dois tipos de formação, não percebendo que não cabem no mesmo curso. Como o Conselho Nacional de Educação mescla um trabalho histórico de formação de pedagogos com a proposta da formação de nível superior para os professores dos anos iniciais da Educação Básica? Nós estamos nessa situação ambígua e contraproducente. Está muito mal resolvida a questão da formação de professores nesse País por conta das diretrizes do curso de pedagogia que jogaram para as faculdades a responsabilidade de formar pedagogos e atender a todas as necessidades de formação de professores, antes contempladas pelo curso normal., .

TPE: Como as faculdades têm feito para contornar o problema?
SP: É difícil discutir todos os conteúdos básicos necessários em um curso que, em alguns casos, como permite a lei, tem duração de três anos, como é o caso na grande parte das escolas particulares. A principio, o que acaba acontecendo é que estes cursos vão sempre deixar a desejar em algum aspecto. O cobertor é curto: puxa de um lado, descobre de outro. Enquanto muitas das particulares continuam com os três anos, o que é o mínimo, as públicas estão fazendo um movimento contrário, ampliando a duração do curso de quatro para quatro anos e meio, no caso da FE-USP, ou para cinco anos, como tem ocorrido em outros lugares.

Em relação à formação de professores para a 5ª.série em diante da educação básica, a USP elaborou um novo projeto de licenciatura, que entrará em vigor no próximo ano. Ele vem sendo discutido há mais de seis anos e já passou pela votação e aprovação nas diferentes instâncias da universidade e até mesmo pelo Conselho Estadual de Educação. O objetivo é fazer com que as questões educacionais e pedagógicas sejam tratadas ao longo do curso, ou seja, os alunos, independentemente da escolha pela licenciatura, vão ter disciplinas de introdução às questões educacionais desde o começo do curso e não mais apenas no final.

TPE: Haverá mudanças no programa de estágio?
SP: Dentro do novo programa de formação de professores, há uma proposta junto à Secretaria Estadual de Educação de identificar e escolher algumas escolas “campo de estágio”, para que em número menor, os nossos professores, com o apoio de educadores, possam acompanhar os estudantes. Hoje é impossível termos contato com todas as escolas com as quais nossos alunos fazem estágio. Se você tem 60 alunos numa classe, são 60 escolas.

A proposta do nosso programa de formação vai em duas direções: primeiro identificar as escolas campo de estágios e diminuir esse universo. E segundo, colocar um educador para atuar nessas escolas municipais e estaduais, e ao mesmo tempo ter contato com os nossos professores para conhecer melhor e diagnosticar as dificuldades da escola. Os nossos alunos devem ser um elemento de intermediação entre a escola e os professores da graduação. E dessa forma, podem problematizar e encaminhar um trabalho de interlocução com essas escolas de forma produtiva.

TPE: Recentemente, uma pesquisa desenvolvida pela Fundação Carlos Chagas demonstrou grande distanciamento entre a formação inicial dos docentes e a prática escolar. Em sua avaliação, essa afirmação é verdadeira?
SP: O que nós temos hoje é uma dissonância entre os cursos de pedagogia e as propostas curriculares para as séries iniciais do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil, onde claramente você vê em qualquer currículo que os fundamentos teóricos têm peso maior do que as questões prático-pedagógicas. É uma discussão que precisa ser feita. A formação de professores deve ter um eixo básico comum de alto a baixo da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Mesmo as diretrizes curriculares nacionais não estão de acordo com essa direção. Alem disso, no caso da pedagogia, hoje as faculdades de Educação recebem um aluno diferente do que recebia anos atrás, antes recebia o aluno que já tinha o ofício de professor, feito no curso normal, o que corre hoje em proporção muito menor.

A questão da formação é um problema, mas a pesquisa da Fundação Carlos Chagas mostra apenas um dos lados. A problemática é maior e mais complexa. A formação precisa melhorar, mas não depende só das instituições formadoras, mas também das empregadoras e da legislação e, neste caso, entendo que as diretrizes implodiram os cursos de pedagogia. É preciso separar o curso de pedagogia dos de formação de professores. Ou então, colocar de uma forma diferente esses conjuntos, como é o caso da formação dos professores para as séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. É fundamental articular a formação de professores como um todo. A faculdade de medicina forma todos os médicos, os especialistas também são formados pela mesma faculdade. Os professores têm de ser formados em uma instituição dentro das universidades. A faculdade de Educação foi pensada como um lugar para isso ou, como é o caso da USP no presente momento, instituindo uma Comissão Interunidades de Formação de Professores.

TPE:De acordo com a pesquisa, os alunos das universidades públicas são os que menos se inserem na carreira docente. Como explicar essa tendência?
SP: Mesmo se todos os alunos dessas universidades seguissem a carreira, não atenderia às necessidades do estado. O número de alunos que entram nas instituições públicas é muito pequeno para suprir a demanda de professores na Educação Básica. Nós não formamos nem 20% dos professores necessários. Ou seja, cerca de 80% são formados pela rede privada, pelo simples fato de não haver oferta nas instituições de Educação pública. Não é possível as universidades públicas existentes atenderem hoje um número mais alto do que já atendem.

Fora isso, alguns alunos que entram em cursos como o de Letras, Filosofia, História, Geografia, não necessariamente querem seguir a carreira docente, mas, com o problema da falta de emprego, percebem que sempre há possibilidade de emprego para professor. Então, muitos, que inicialmente não pretendiam seguir a carreira, acabam optando pela licenciatura no final do curso. É por isso que as disciplinas pedagógicas devem estar desde o início nos cursos de bacharelado, pois a pura justaposição não forma adequadamente um professor; é preciso mergulhar nas práticas pedagógicas ao longo do curso.

TPE:Os alunos que ingressam nos cursos de licenciatura têm o objetivo de seguir a carreira docente?
SP: Em algumas carreiras sim, em outras não. Em alguns cursos, no momento da inscrição na Fuvest o aluno já pode optar pela licenciatura. Além disso, como os cursos são parecidos, também é comum o aluno que não consegue ser aprovado no bacharelado, tente a licenciatura mesmo que não queira ser professor. O desestímulo para ser professor é muito grande, isso é reflexo da desvalorização da carreira nesse País. Isso ocorre por vários motivos e a questão salarial é um deles.

Mas também tem outra questão, hoje é muito mais complexo e difícil trabalhar em salas de aulas com uma diferenciação tão grande entre os alunos. Se por um lado, o Brasil finalmente começa a pagar uma dívida social, ampliando o acesso de crianças e jovens de todas as camadas sociais à escola, trabalhar com essa diversidade tem desafiado o professor; nesse sentido, a formação para a profissão tem que ser mais apurada. É preciso saber trabalhar com o aluno a partir do seu ponto de chegada e fazer uma caminhada escolar, para que na saída ele tenha os conhecimentos que fazem parte dos objetivos gerais da Educação.

TPE: A professora Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, após apresentar a sua pesquisa sobre formação inicial, afirmou que a atual estrutura das licenciaturas tem como foco não só a formação de professores, e abre possibilidade para outras atuações no mercado de trabalho. Qual a sua opinião sobre o assunto?
SP: É verdade. Cursar um curso superior é fundamental para o desenvolvimento das pessoas e sua empregabilidade, assim como para o desenvolvimento do País. Qualquer curso e mais ainda cada ano de curso realizado ajuda a empregabilidade das pessoas, como algumas pesquisas têm mostrado. A universalização do acesso à escola é muito recente e ainda não está completada na Educação Básica e está muito aquém no ensino superior, Formar bem o professor é um caminho necessário; e ele precisa compreender a complexidade do mundo atual e também aprender a lidar com a diversidade que existe na escola básica, o que é muito difícil. É necessário preparar muito bem o profissional para isso e é preciso formular currículos que dêm conta da complexidade que é formar professores hoje. Então o aluno não pode ter uma formação para ser uma série de outras coisas ao mesmo tempo. Mas é claro que não vamos fazer currículos fechados, eles podem se interligar em uma instituição e o aproveitamento de disciplinas é algo que já existe nas universidades.
A formação é problemática, mas a situação do profissional é outra coisa; esta também precisa ser melhorada. Formação e profissão devem ser pensadas junto. Daí a necessidade de uma estreita relação entre a instituição formadora e a empregadora. Essa boa relação passa pela melhora da situação do estágio, que precisa ser melhor equacionado em várias profissões mas, certamente, na formação de professores. Faculdades de Educação, Secretarias de Educação e também órgãos que cuidam da legislação. precisamos sentar juntos, porque nenhum lado pode resolver sozinho os problemas educacionais brasileiros.

http://www.todospelaeducacao.org.br/Comunicacao.aspx?action=3&pID=0

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